O contador de histórias circulares





O CONTADOR

O contador
antes de começar
fez um gesto no ar
em redondo
como se quisesse desenhar
o Sol
a casca de um caracol
um balão
a sombra de um pião
um bombo...
E disse:
- A história que vou contar
começa por uma ponta
dá uma volta reviravolta
meia tonta
e acaba
tal e qual
mesmo ao lado
donde tudo tinha começado.

Por isso,
para a cambalhota final
da história em salto mortal
onde ninguém corre perigo,
contem
contem comigo.
E o contador, contente
por contar,
ficou-se a olhar
para toda aquela gente
à roda da história
e dele,
contador
desenhador no ar
inventor da arte de saltar
sem se mexer.
Ficou-se a olhar, a olhar
e suspirou de prazer
a ponto de se esquecer
de continuar.

- Mas onde é que eu ia? -
- perguntou o contador,
um pouco perdido
no meio do contentamento
do contar e ouvir contar,
que é assim a modos que
uma espécie de cócega,
virada do avesso,
uma sede, um sabor
um sabor a pêssego
antes do pêssego chegar ao calor
do céu-da-boca...

- Ah! - lembrou-se o contador
que, às vezes, se distraía
dos recados que trazia.
E com um lento aceno
de quem muda a folha
dum livro ou do pensamento,
o contador concluiu:
A história que vou contar
é, nem mais nem menos,
do que uma história circular
como vão já já já
poder observar

Ora façam favor de reparar...

António Torrado

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