"As bruxas malvadas fazem bem aos meninos" e o lobo mau também


Maurizio A. C. Quarello



Com ou sem chapéu, vassoura ou roupa preta, as bruxas dos contos tradicionais ajudam as crianças a superar medos. Os pais que se arrepiam são os que têm medo do medo dos filhos.

Na versão original da história da Branca da Neve, no final, a Bruxa é obrigada a calçar uns sapatos de ferro e a dançar sobre brasas até morrer. “Uma mãe e um pai normais dizem: ‘Que horror, é muito violento.’ Mas naquele momento é o que a criança precisa. Para se sentir segura”, diz Dora Batalim, coordenadora da pós-graduação em Livro Infantil na Universidade Católica de Lisboa, para quem são muito importantes as histórias tradicionais no combate aos medos. “Elas concebem os seus lugares de escuridão, Mas acabam bem.” E o que é acabar bem? “Os maus desaparecem. São mortes claras.”
Para esta investigadora-bolseira da Faculdade de Ciências e Tecnologia em Literatura Infantil, “os pais contemporâneos têm medo do medo e têm medo das bruxas”. No entanto, alerta para alguns cuidados a ter visualmente na escolha das imagens a mostrar às crianças, sobretudo nas idades mais baixas, “uma coisa é dizer que a bruxa calçou uns sapatos de ferro e dançou até morrer, outra é mostrar um desenho muito sádico com ela a arder”. Não é preciso nem aconselhável.
Mas os miúdos, diz, precisam de enfrentar os medos: da bruxa, do gigante, do fantasma. E recorda o título de um livro a esse propósito Pôr o Medo a Fugir (Miguel Gonçalves, Campo das Letras, 2000).
Numa acção nos serviços educativos da Gulbenkian que orientava em parceria com a autora e ilustradora Margarida Botelho, esta colocava um lenço na cabeça e assim se transformava na bruxa de Hansel e Gretel. “Não se imagina a reacção daqueles miúdos. Eles não têm lugar para que os medos saiam.” Uma mãe queixou-se da selecção de histórias. “Mas este texto foi testado ao longo de milhares de anos. Era uma mãe muito interessante até, mas com pânico de que a miúda sentisse medo”, conta.
Dora Batalim explicou-lhe a função dos contos tradicionais: “As crianças precisam de ter elementos muito concretos para poderem depositar neles, a preto e branco, os seus próprios medos.” E explicou-nos também: “Todas as angústias infantis existem, é um dado, estão mais que comprovadas pelos psicólogos. Para crescer, temos de expressá-las a arrumá-las e por isso é que todas as histórias tradicionais têm estes valores muito grandes, que ajudam a arrumar o mapa emocional.”
E até certa idade têm de ser a “preto e branco”: “Os ricos são ricos, os pobres são pobres; os bons são bons, os maus são maus. Há, pelo meio, um que faz a ascensão de um a outro lugar (deixa de ser pobre e torna-se rico, por exemplo), por um acto de valentia, de coragem ou outra coisa qualquer.”
Deixar o lobo ser mau
Só quando já são maiores é que já podem brincar com as premissas. “Até lá, é importante manter o Lobo Mau. Não é o da serra da Malcata. Os miúdos sabem que aquele não é o de ‘era uma vez…’”
O hibridismo e o suavizar das histórias é que “baralha tudo”. Coleccionadora de versões de Hensel e Gretel, descreve como, numa delas,
as crianças, que foram abandonadas pelo pai e estão cheias de medo, são representadas “num bosque florido, cheio de passarinhos, e a bruxa até é gorducha e colorida”. Se há que ter cuidado com as imagens, não se pode adulterar desta forma. “É o mesmo que estar num funeral a tocar música pop. Não combina”, conclui.
Dora Batalim, também professora na Escola Superior de Educadores de Infância Maria Ullrich (Lisboa), gosta particularmente da história da Bruxa Arreganhadentes (Tina Meroto & Maurizio A. C. Quarello), que traduziu para a OQO Editora. “É um sucesso para quem tem quatro ou onze anos. É o protótipo da bruxa de verdade. Só faz mal até onde o nosso medo chegar.”
Baseada num conto turco-russo, não tem os acessórios tradicionais, “não tem chapéu nem vassoura e não está vestida de preto, obriga-nos a olhar com um respeito maior, mexe connosco por dentro”. As bruxas tipificadas “já nem sequer provocam medo”.
Esta, a Arreganhadentes, é muito malvada, tem poderes e objectos mágicos, mas a criança enfrenta-a e escapa de ser a refeição dela. “Quando eu criança tenho poder, a bruxa desinfla, desincha, como um balão. A criança aprende a impor-se.”
Bruxas, mas pouco
Há um outro registo de bruxas, mais simpáticas, mas que nada têm que ver com as tradicionais nem estão a tentar misturar códigos. Dá o exemplo da Bruxa Bublina, da escritora Manuela Bacelar (1996, Desabrochar). “É uma bruxinha muito bonita. São as primeiras versões de uma bruxa portuguesa que é uma menina.” Tem um gato chamado Gráfiko e usa a palavra mágica “Xarimarifok”.
Um outro diferente, mas também feliz, Fada-Bruxa (Brigitte Minne, Carl Cneut, Kual Editora). A Rosinha é uma fada que vive com a mãe num castelo dourado em cima de uma nuvem. Ser fada aborrece-a, como têm de estar sempre bonitas, limpas, as fadas não podem andar de patins ou de barco, nem fazer migalhas quando comem.
É por isso que um dia decide que já não quer ser assim, antes prefere ser bruxa para poder gritar, rir, andar de barco e sujar-se à vontade. A mãe fica irritada com este desejo e manda-a para a floresta das bruxas esperando que esta se arrependa e volte para casa.
Por último, a famosa Bruxa Mimi (Valerie Thomas e Korky Paul, Gradiva): “É um registo de paródia, não está a agir sobre os medos. É uma bruxa e aí tem que ver com tal chapéu, o tal gato, a tal vassoura, quer que reconheças os estereótipos da bruxa para depois brincares com eles.” Dora Batalim diz que “todos os professores a conhecem e atestam, é desastrada, cómica, tonta, trapalhona - é um pouco a ‘nossa’ Madame Min, aqui misturada com a Maga Patalógica, porque esta até é elegante”.
Quando a Bruxa Mimi fez 20 anos, a autora Valerie Thomas contou ao PÚBLICO que quis criar uma personagem que pudesse mudar as cores do mundo. “E uma bruxa pode fazê-lo”, disse. “Ela é uma bruxa, mas não há nada nos livros que provoque inquietação ou medo.” Disse ainda que “tentava criar o máximo de situações para divertir as crianças, as fazer rir, mas sem crueldade”.
Contou orgulhosa como o primeiro título, A Bruxa Mimi, foi usado em escolas na Palestina para mostrar que é possível resolver problemas sem haver conflito. No livro, há uma discórdia entre a bruxa e o seu gato Rogério. Acaba bem. E ninguém morre".


Adoro a Bruxa Mimi e os meus filhos também!

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