Miguel Sousa Tavares fala sobre o seu novo livro infantil
Miguel Sousa Tavares falou sobre o seu novo livro infantil ao DNArtes, numa entrevista de João Céu e Silva:
Miguel Sousa Tavares confessa que tem projectos literários na gaveta. Sugere-se que a editora encomende um assalto a sua casa para o privar do computador. Da última vez funcionou... Liquidou um romance por falta de empatia e tem uma peça parada. Lança agora um livro infantil.
Afirma que todos os escritores deveriam escrever um livro infantil. Acredita mesmo nessa sentença?
Disse-o porque acredito que escrever para crianças devolve uma certa humildade inicial da escrita e prova que se está ao serviço dos outros. Quando vou a uma escola e vejo o que a história fez às crianças, confirmo que cumpriu a sua finalidade, em vez de ser uma coisa só nossa. Para além disso, se os autores querem ter leitores, é preciso formá-los desde pequenos.
A concorrência é muito grande...
Nunca foi tão importante haver boa literatura infantil, porque as crianças são atraídas por milhares de coisas mais fáceis, instantâneas e baratas que o livro. Com boa literatura infantil, defende-se o livro.
E combate-se as consolas?
Completamente não combate, mas enquanto o jovem está a ler não joga e percebe que há outras coisas para além desses suportes. E, se conseguir gostar de livros em criança, acredito que gostará a vida toda. É quase uma função social.
O escritor deve ter a preocupação?
Infelizmente, acho que a crítica literária liga muito pouco à literatura infantil. Vendo mais de um romance, mas os responsáveis esquecem-se disso e de que a literatura infantil é que deve ser subsidiada.
Porquê um livro infantil agora?
Os livros não têm um tempo planeado, acontecem. Curiosamente, entre cada romance tenho publicado um infantil, o que significará necessidade de reciclagem e voltar ao maior denominador comum da literatura: escrever para crianças.
É mais trabalhoso que o romance?
Não posso dizer que 70 páginas para crianças sejam mais difíceis que um romance! Mas requerem mais atenção e sensibilidade porque é uma audiência mais difícil de cativar que a dos adultos.
A nível do argumento?
Na própria narrativa, pois se qualquer adulto passa sobre cinco páginas sem problemas, a criança não. Todas as palavras e frases são importantes e é necessário ter muita atenção ao jogo de descrição e não descrição de modo a deixar-se uma parte para a criatividade e a imaginação infantil. A chave de um bom livro infantil é dar à criança a possibilidade de extrapolar a história.
Sente que domina essa técnica?
Creio que sim e constatei-o com os livros anteriores, porque existe um número imenso de escolas que os teatralizam. Ao escrever este tive isso em consideração, acrescentando personagens que não fariam falta mas permitem teatralizações.
Se o coelho é uma personagens tradicional, já o compositor Chopin é pouco habitual. Porque o introduz?
Não foi por causa do bicentenário do seu nascimento, mas por mero acaso. Gosto muito de ouvir Chopin e acho que a imagem que se tem dele - que se confirma nos desenhos da Fernanda Fragateiro - faz lembrar um coelho em pé.
Pode dizer-se que há preocupações ambientais neste livro?
Não serão bem ambientais, mas antes mostrar que na natureza nada funciona por acaso, mas sim um laboratório perfeito. Por isso, explico que o coelho tem vários inimigos e que pode ser comido por eles: a raposa, a águia ou o próprio homem. Pode parecer assustador para as crianças, mas é propositado, para dar a noção de como funciona a natureza. Dizia Woody Allen: é o grande supermercado onde todos se comem uns aos outros.
Mas também tinha a intenção de os ensinar a proteger-se dos inimigos?
Principalmente tentar mostrar que não existe um mundo perfeito, mas sim um equilíbrio, e que o importante é estarmos o mais próximo possível da perfeição. Não existe um mundo sem perigo e inimigos.
O pai do coelho protagonista é uma das personagens mais centrais da história. É autobiográfico?
Se é autobiográfico, foi inconscientemente. Creio que o pai é determinante porque é quem relaciona o filho com o mundo que o envolve. A mãe cria e protege-o em casa enquanto o pai mostra os perigos.
Parece que só o pai é que pode dar as grandes lições da vida!
Aquele é um pai especial e aquela uma família especial de coelhos - até entendem a linguagem dos homens. Mas, se reproduzi o papel de um pai, foi o de mim próprio, que quis sempre ensinar os filhos a relacionarem-se com o mundo.
O seu pai não o inspirou?
Não, é uma história puramente pessoal. Na maior parte das vezes não sabemos onde está o detonador que fez avançar uma história, mas nesta sei situá-la exactamente. Estava na varanda da minha casa do Alentejo e o meu filho tocava piano no interior quando passou um coelho que parou para ouvir a música. Foi assim que tudo começou, eu estava no local e no momento privilegiado para ser a ligação entre o ser que tocava e o animal que ouvia. E pensei: posso contar esta história às crianças porque é verdade e pode acontecer.
Não é por acaso que o pai se chama Coelho Maltese?
Não, é uma homenagem ao Corto Maltese, do Hugo Pratt. Também chamei Ismael ao coelho pelo Moby Dick e Argos ao cão por causa da Odisseia.
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