Já não é tão fácil enganar as meninas de hoje!
Gustave Doré, Red Riding Hood
O Capuchinho Vermelho é um conto popular de extenso simbolismo, originário da Europa e América do Norte.
A cor vermelha sempre foi vista como uma cor vibrante e sexualmente sugestiva. Nalgumas épocas associada ao luxo, noutras associada à luxúria e ao pecado, usado pelas ditas mulheres de má vida. No apogeu da moda dos retratos pintados, sinal de relevo social, antes do aparecimento da fotografia, muitas eram as filhas de famílias abastadas retratadas com luxuosas capas vermelhas. É também e sobretudo a cor do sangue. Foi Perrault quem introduziu esta cor como elemento integrante e relevante desta história quando a escreveu pela primeira vez. Alguns estudiosos, como Erich Fromm, consideram a capa vermelha como símbolo da mestruação e da puberdade, fase do desenvolvimento em que a protagonista desta história se encontra. Esta história descreveria então, nesta perspectiva, o processo de maturação sexual de uma menina que enfrenta e explora a floresta densa e misteriosa da feminilidade adulta.
Na versão de Charles Perrault, a mãe apenas instrui a menina no sentido de levar alguma comida à sua avó. Os irmãos Grimm, no entanto, introduzem um aviso da mãe: “Não te desvies do teu caminho” E Perrault remata com a mensagem final a sua versão da história:” não fales com estranhos”. Surge assim um conteúdo moralizante dirigido às crianças, semelhante ao das fábulas.
O lobo é um vilão muito popular nos contos de fadas. Além do Capuchinho Vermelho temos o exemplo das histórias de Os três Porquinhos e Os sete cabritinhos. Actua enquanto predador natural da floresta, quando noutros contextos actuam a bruxa ou o ogre. A imagem do lobo surge como a metáfora de um homem sexualmente predatório e nem sempre desprovido de algum encanto e poder de sedução. A figura fantástica do lobisomem também consubstancia esta imagem.
Nas versões iniciais da história surgia o convite do lobo “Vem para a cama comigo”. As últimas versões do conto omitem esta frase pela evidente conotação sexual. No entanto, um dos mais famosos ilustradores do Capuchinho Vermelho, Gustave Dore, mostra a menina na cama com o lobo. Alguns críticos encaram mesmo o facto de o lobo comer a avó e a neta como metáfora de violação.
“Avó, mas que grandes braços tu tens!”... “Avó mas que grandes olhos tu tens!”: estas exclamações são o elemento favorito quer para quem conta quer para quem ouve esta história. Constituem um óptimo mecanismo de construção da história, criando um sentimento crescente de antecipação e ansiedade para o leitor, à medida que o Capuchinho Vermelho vai progressivamente tomando consciência de que não está em presença da sua avó. Muitas versões orais entusiasmadas e criativas adicionam inúmeras exclamações adicionais num crescendo que termina sempre e inevitavelmente com “ Mas oh avó, que dentes tão grandes tu tens!” ,“SÃO PARA TE COMER!GRRR!”.
Em versões mais recentes deste clássico, o Capuchinho Vermelho consegue, fazendo uso da sua esperteza e rapidez ludibriar o lobo e fugir. No poema de Roald Dahl, que publiquei num post anterior, a menina vence o lobo e aparece no fim da história já sem o capuz vermelho mas com um belíssimo casaco de pele de lobo. Um “look” bem mais sofisticado, bem menos inocente! Só lhe falta a cigarrilha no canto da boca, entre as unhas compridas pintadas, claro está, de vermelho!
Quentin Blake
A versão de James Thurber's The Little Girl and the Wolf mostra como o Capuchinho não se deixa enganar pelo lobo, saca da arma que traz no cesto e mata-o. Thurber explica no final a moral desta história: “ Já não é tão fácil enganar as meninas de hoje, como era antigamente”!
Deixo-vos com esta última versão,no original, em língua inglesa:
The Little Girl and the Wolf
by James Thurber
One afternoon a big wolf waited in a dark forest for a little girl to come along carrying a basket of food to her grandmother. Finally a little girl did come along and she was carrying a basket of food. "Are you carrying that basket to your grandmother?" asked the wolf. The little girl said yes, she was. So the wolf asked her where her grandmother lived and the little girl told him and he disappeared into the wood.
When the little girl opened the door of her grandmother's house she saw that there was somebody in bed with a nightcap and nightgown on. She had approached no nearer than twenty-five feet from the bed when she saw that it was not her grandmother but the wolf, for even in a nightcap a wolf does not look any more like your grandmother than the Metro-Goldwyn lion looks like Calvin Coolidge. So the little girl took an automatic out of her basket and shot the wolf dead.
(Moral: It is not so easy to fool little girls nowadays as it used to be.)
In Fables for Our Time and Illustrated Poems, 1945
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